terça-feira, 26 de junho de 2012

MPF denuncia ao STJ esquema de corrupção no Tribunal de Contas do Amapá

Denúncia envolve cinco conselheiros ativos, dois conselheiros
aposentados, além de três servidores da área financeira-orçamentária.
Desvio entre 2001 e 2010 foi de mais de R$ 100 milhões

Um esquema de corrupção no Tribunal de Contas do Amapá (TCE/AP) é
objeto de denúncia do Ministério Público Federal. O MPF ofereceu ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) denúncia (APn 702) contra cinco
conselheiros, três servidores e dois conselheiros aposentados do TCE/AP,
acusados de desviarem mais de R$ 100 milhões do Tribunal, entre os anos
de 2001 a 2010. O esquema foi descoberto em 2010, pela Operação Mãos
Limpas, da Polícia Federal. Entre as infrações incluem-se formação de
quadrilha, peculato e ordenação de despesas não previstas em lei.

Segundo investigação da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal, o esquema funcionava da seguinte forma: os envolvidos
descontavam cheques da conta do tribunal, sempre em espécie, na "boca do
caixa", geralmente em agência diferente daquela em que o TCE/AP possui
conta corrente. Para justificar os saques no orçamento, servidores da
área financeira os computavam como "outras despesas variáveis". A
prática de saques em espécie na conta da instituição não possui
nenhum embasamento legal, pois não é permitida pela Lei de Finanças
Públicas (Lei nº 4.320/64). Para se ter uma ideia, em um só dia, um
dos conselheiros aposentados denunciado chegou a sacar R$ 100 mil, a
título de "ajuda de custo".

A "orgia orçamentária", como se refere ao caso o subprocurador-geral da
República Eitel Santiago de Brito Pereira, responsável pela denúncia,
causou prejuízos tão profundos que, após a deflagração da Operação Mãos
Limpas, quando os saques foram suspensos, a economia nas contas do
Tribunal permitiu ao TCE/AP quitar uma antiga dívida com o Instituto de
Previdência do Amapá.

Esquema de corrupção - A divisão de tarefas na quadrilha de desvio de
recursos públicos era bem definida: a maior parte dos recursos desviados
ficava com o comandante do esquema e os servidores da área financeira.
Os conselheiros beneficiados se omitiam de fiscalizar ou questionar as
contas do próprio Tribunal, e por isso recebiam em troca altas somas. O
esquema foi montado pelo conselheiro José Júlio de Miranda Coelho,
quando este ocupou a presidência do Tribunal. De todo o montante
desviado, existe a comprovação de que Miranda Coelho realizou,
pessoalmente, saques em espécie, na conta da instituição, no valor de R$
7,5 milhões. Nenhum dos saques possui qualquer justificativa, pois não
se referem ao pagamento de pessoal e também não serviram para o custeio
do Tribunal. Além dos saques realizados, o conselheiro recebeu entre
fevereiro e julho de 2001 uma "ajuda de custo" no valor de R$ 258 mil.

O valor do patrimônio registrado em nome de Miranda Coelho ultrapassa
os R$ 10 milhões e para o MPF é uma das provas de enriquecimento
ilícito. O conselheiro recebia, em agosto de 2010, subsídio de R$
18.185,11. Com base nessa quantia, calcula-se que, desde dezembro de
1998, ele recebeu cerca de R$ 3,2 milhões em valores atualizados. No
entanto, somente em carros, embarcações e aviões, as posses de Miranda
Coelho ultrapassam os R$ 10 milhões, sem contar os mais de 50 imóveis
registrados em seu nome, no da esposa, dos filhos e no dos laranjas
utilizados pelo conselheiro. Na busca e apreensão realizada na casa de
Miranda Coelho, por determinação do STJ, durante o inquérito, foi
encontrada uma folha de cheque em branco do TCE/AP, assinada pelo
conselheiro.

Custeio de transplante e tratamento contra celulite - Dinheiro público
também foi utilizado para custear o transplante de rim de um dos
conselheiros aposentados denunciados pelo MPF. Ele utilizou recursos do
erário para custear o transplante, a passagem e hospedagem da doadora do
órgão, além dos honorários advocatícios desta. O conselheiro ainda pediu
o ressarcimento das passagens aéreas da doadora, que foi autorizado pelo
diretor de finanças do Tribunal.

Outra conselheira aposentada denunciada custeou todo o tratamento de
saúde com valores do Tribunal de Contas, apesar de possuir plano de
assistência médica particular. As despesas abrangem até mesmo
tratamentos estéticos, como o de combate à celulite, além de
medicamentos para esse tipo de tratamento. Consta nos autos o registro
de que, em setembro de 2009, a conselheira aposentada realizou três
sessões de "Accent", equipamento utilizado no combate à celulite,
sendo que cada sessão custa em média R$ 500. A conselheira pediu ainda o
ressarcimento junto ao plano de saúde particular, no valor de R$ 48 mil
pelo tratamento de saúde e também pediu ressarcimento junto ao TCE/AP,
recebendo os valores dos dois lugares. Entre 2006 e 2010 essa mesma
conselheira aposentada recebeu reembolso que ultrapassou R$ 800 mil.

Todas essas restituições, inclusive para tratamento contra celulite,
foram autorizadas pelo então presidente do Tribunal de Contas, José
Júlio Miranda Coelho, e pelo então diretor da área orçamentária e
financeira.

O esquema incluiu também um membro do Ministério Público estadual, que
oficiava perante o TCE/AP e recebeu entre 2003 e 2005, R$ 39 mil,
destinados a "reestruturação de gabinete". A quantia também foi
descontada em espécie, na boca do caixa. Há registro ainda de pagamentos
a servidores fantasmas, não integrantes do quadro do Tribunal.

Pressa na instrução - O Ministério Público Federal recomenda pressa na
instrução criminal, caso a denúncia seja aceita pelo STJ. Os
conselheiros deverão ser interrogados no STJ, mas o MPF requer que a
realização dos demais atos de instrução sejam realizados por um juiz
federal da seção judiciária do Amapá. Além disso, o MPF também solicita
uma nova decretação de afastamento de José Júlio de Miranda Coelho, pelo
prazo de 360 dias, além do afastamento dos conselheiros da ativa e dos
servidores denunciados. Miranda Coelho e os outros conselheiros na ativa
foram afastados pelo STJ preventivamente em abril de 2012.

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