sábado, 15 de maio de 2010

A ORIGEM DO VERSO “LADRÃO” DO MARABAIXO






RETIRADO DO TCC: A CULTURA AMAZÔNICA, EM ESPECIAL A DO AMAPÁ E
A IMPORTÂNCIA DO MARABAIXO PARA O FOLCLORE LOCAL

AUTORIA: CLAUDIONOR DOS SANTOS

É possível falar nos versos do Marabaixo tem sempre o sentido da gozação, da critica, satírica, cotidiano, conforme o autor Araújo (1996, p. 31) Quem cometia uma “gafe” ou dava uma “mancada”, podia ter certeza de que nas festas do Marabaixo, o caso seria exaustivamente

explorado, em forma de versos. Os versos roubam a membros da comunidade. Por este motivo o verso é denominado “LADRÃO”.
E foi de ladrão em ladrão que os negros do Amapá legaram para a posteridade, detalhes da história da sua comunidade. Vamos lembrar este ladrão:


O largo de São João
Já não tem nome de Santo (BIS)
Hoje é reconhecido
Por Praça do Barão do Rio Branco. (BIS)

O ladrão começa com o verso de repercussão, isto é. Aquele que o cantador entoa e os demais brincantes respondem, de acordo com Araújo (1998, p. 31). Mas, os outros versos do “ladrão” só quem canta é o autor deles ou alguém que os tenham na memória. A graça fica por conta de quem sabe dar seqüência ao fato em evidência, assim como os ladrões de “Aonde tu vai rapais”, feita por Raimundo Ladislau. Iniciemos com o registro da preocupação do senhor Bruno Ramos, irmão do mestre Julião, com a noticia de que o Capitão Janary, Governador do Território Federal do Amapá, desapropriaria as casas dos negros que moravam nas áreas onde hoje está o antigo Fórum hoje OAB, a Residência do Governador, as casas da Praça do Barão do Rio Branco e o leito da Avenida Coriolano Jucá, que era ocupado, à margem da Rua Cándido Mendes, pela Vila Santa Engrácia. Caminhando com o destino aos campos do Laguinho, Bruno Ramos falava sozinho ao passar perto de algumas pessoas, entre elas, o próprio Raimundo Ladislau. Em determinado momento, ele disse: “será possível meu Deus, que dele não tenha dó”. Ao compor o verso principal, Raimundo Ladislau cantou:

Aonde tu vais rapaz
Neste caminho sozinho (BIS)
Eu vou fazer minha morada
Lá nos campos do Laguinho (BIS)

O que é que houve com o Bruno
Que anda falando só. (BIS)
Será possível meu Deus,
Que ele não tenha dó? (BIS)
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Então podemos abordar que as festas do Marabaixo eram realizadas quase sempre na casa do Mestre Julião. Os “ladrões” contavam a evolução da cidade de Macapá e chegaram a analtear Janary e seu irmão Coaracy Nunes, o primeiro deputado federal do Amapá. A atual Avenida Getúlio Vargas, que não passava de uma estreita, com o nome de Floriano Peixoto, foi uma das primeiras ruas e serem abertas. No trecho a Rua José Serafim, hoje Tiradentes, e General Cândido Rondon, o governo mandou edificar 10 casas de madeira, do lado esquerdo e 10 casas de alvenaria, geminadas, do lado direito, destinando-as a médicos, dentistas, agrônomos, advogados, professores, delegado de policia, etc. Foi motivo suficiente para que surgisse o seguinte “ladrão”, enaltecendo a ação governamental (ARAUJO, 1998, p. 33-34).

As ruas de Macapá
Estão ficando um primo (BIS)
Tem Hospital, tem escola
Pros filho dos trabalhado (BIS)

Este “ladrão” sofreu alterações por parte de alguns gozadores e ficou assim:

A Avenida Getúlio Vargas
Tá ficando que um primo (BIS)
Tem Hospital, tem escola
Pros filhos dos trabalhado
Mas as casas foram feitas
Pra só mora os douto. (BIS)


Outra coletânea de “ladrões” tem o título de “Lírio Roxo” e basicamente narra os momentos de aflição vividos pela família do mestre Julião, quanto um incêndio atingiu sua residência. O verso de repercussão é cantado por todos:


Passei pelo Lírio Roxo
Cinco folhinhas apanhei (BIS)
Cinco sentidos eu tinha
Todos os cinco lá deixei (BIS)
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O canto solo vem em seguida, entoado por homem ou mulher, junto aos dois tocadores de caixa:

Chiquinho estava sentado
No galho do Caimbé (BIS)

Antônio vai lá na roça
Chamar aquelas mulhé. (BIS)


O coro entoa o verso de repercussão e o cantador segue com a narrativa:


Chiquinho subiu na cerca
E chamou pelas mulhé (BIS)
Veio a Josefa espantada
O que é que o sinhô qué? (BIS)


Novamente o coro manifesta-se e o narrador passa à terceira quadra:


Josefa eu vô te dize
Que o serviço tá parado (BIS)
Ainda não vi o fogo
Ainda to ouvindo a zuada. (BIS)


Despontam mais uma vez as vozes dos que fazem o coro. O cantador passa ao quarto verso:

Eu não posso lhe valer
Agora nessa ocasião (BIS)
Eu vou defender a casa
Do meu parente Julião (BIS)
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Após o coro o cantador passa ao quinto verso:

A Maria Celivina
E as outras Maria também (BIS)
Vamos chegar em casa
Que o fogo lá vem. (BIS)

Dependendo do assunto ou motivo, o autor Araújo (1998, p. 36) nós explica que os versos vão brotando. A melodia pode ser de outros “ladrões”, nova ou de alguma música do cancioneiro popular, mesmo que seja de origem estrangeira. Joaquim Miguel Ramos, cantou uns versos bem pitorescos, cuja autoria lhe é atribuída. Ele corrige, afirmando que aprendeu os ladrões como o amigo Manoel dos Anjos. Além do canto de repercussão, há seis “ladrões”, verdadeiros lamentos pela perda de coisas importantes:


Eu tinha, mamãe eu tinha
Eu tinha meu passarinho (BIS)
Tava preso na gaiola
Bateu asa, foi embora (BIS)


Bateu asa e foi embora
Chegou a pousar no chão (BIS)
Pôs a asa, pôs o bico
Dentro do meu coração (BIS)


Eu tinha mamãe, eu tinha, etc.....

Valei-me Nossa Senhora
Senhora da Conceição (BIS)
E o sustento que eu dava
Sangue de meu coração (BIS)
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Eu tinha mamãe, eu tinha,
Eu tinha o meu cavalo
Chamado Recarromão (BIS)
E foi o Mané do Anjos
Que me ensinou o ladrão
Queria eu cantasse
No largo deste torrão

Coitada da minha irmã
Que tanto se consumia (BIS)
Que cantava o dia inteiro
A pino do meio dia
Rouxinol já foi embora
No bater da Ave Maria

Eu tinha mamãe, eu tinha, etc.

Quem cantar este ladrão
Cante ele com alegria (BIS)
Porque o Mane dos Anjos
É um homem de agonia. (BIS)

A reação das pessoas de quem rouba as músicas do “ladrão” é quase de raiva, embora tudo se resolva com alguns goles de gengibirra, e voltam a desafiar um ao outro através da música, e isso vai por toda a noite até ao amanhecer do dia. A própria música lembra o lamento de quem vivia na senzala, sempre esperançoso pela volta para o continente africano. O refrão é o mesmo, e cantado por todos no salão como famoso Rosa Branca Açussena.
Portanto, o Marabaixo, não é apenas um ritual, ele destaca-se como a história do Amapá, com objetivo da formação cultural, evidenciando valores, tradição e raça dos afro-descendentes vindos da África, e ficara marcado para sempre, lembrando os velhos tempos da colonização Brasileira e da fundação da cidade de Macapá.
Alguns representantes do Marabaixo ainda estão vivos e são participantes ativas nos festejos, como o Pavão e D. Luci, dentre outros; porem, um importante legado desta dança folclórica nos foi deixado por pessoas como: Julião Ramos, Paulinho, D. Venina, que

inclusive, em meados dos anos 80, “jogou um ladrão” para o então Presidente José Sarney, durante sua visita em Macapá.

Aonde tu vais rapaz
Neste caminho sozinho (Bis)
Eu vou fazer minha morada
Lá nos campos do Laguinho (Bis)

Boa nossa Vossa Excelência
Como vai como passou
Será que Vossa Excelência
Vai trazer a noticia, que
Para nós a inflação abaixou.

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